sexta-feira, 7 de setembro de 2007

alice in chains,(dirt)

:: Alice In Chains - Dirt (1992)

O grunge e o rock estavam num turbilhão permanente em 1992 Álbuns com grande impacto sucediam-se quase em catadupa: Nevermind – Nirvana, Ten – Pear Jam, Black Album – Metallica, Badmotorfinger – Soundgarden, Wretch – Kyuss, Dirty – Sonic Youth, Core – Stone Temple Pilots, Blood Sugar Sex Magik – Red Hot Chili Peppers, entre outros, marcavam ouvintes um pouco por todo o lado… E foi neste caldeirão que surgiu Dirt, o segundo álbum da carreira dos Alice In Chains.
Apesar do airplay nas rádios, das excelentes críticas e vendas nos Estados Unidos, chegando o disco ao nono posto da tabela da Billboard, na Europa a recepção a Dirt foi quase underground, não fosse a coincidência de os AIC pertencerem a Seattle, a mesma cidade dos Nirvana e Pearl Jam. Esse facto é perceptível pelas baixas vendas registadas nas tabelas europeias e pelas críticas desinteressadas das principais revistas da especialidade. Recordo-me em especial da crítica do Blitz, que referia: «não há pachorra para mais uma banda grunge». O ambiente juvenil do secundário e preparatório da época (do qual eu fazia parte), de resto, não desmentia essa evidência. A batalha de popularidade entre bandas era travada entre os fãs de Nirvana e os fãs de Pearl Jam com os fãs de Metallica à mistura, descarregando nos anteriores. Os Alice In Chains eram assim uma banda pouco popular em 1992, mesmo já com Dirt nas ruas.

Ainda assim, criou-se um culto bastante especial pela banda, sobretudo entres fãs mais ligados à vertente metal. Camaleonicamente eram os novos Black Sabbath, ou Led Zeppelin – ligação facilmente explicada pelas óbvias referência que os AIC tinham das bandas anteriores. Jerry Cantrell e Layne Staley tornavam-se numa dupla de excepção comparável a duplas como Bon Scott/ Angus Young dos AC/DC ou Jimmy Page/ Robert Plant dos Led Zeppelin. As qualidades de Cantrell na guitarra impressionavam pela criatividade e versatilidade únicas, criadoras de riffs com camadas melódicas mágicas, quase sobrenaturais; enquanto que Staley tinha aquela voz impressionante que parece que vai falhar a todo momento, mas que se cola à nota infinitamente. A adicionar temos ainda as capacidades líricas de ambos que compõem a paisagem para o mundo AIC. Seria injusto, no entanto, não referir o papel de Sean Kinney (baterista) e Mike Starr (baixista), também importantes na construção da sonoridade única dos AIC. O estilo meticuloso de Kinney e a capacidade de improvisação de Starr completavam o puzzle.
Dirt é permanentemente analisado como um álbum conceptual, girando em torno de uma simbologia acorrentada ao mundo niilista das drogas, da morte, da solidão e do desespero. E inevitavelmente isso é verdade. Canções como Angry Chair, God Smack ou Junkhead reflectem as ligações de Cantrell, Layne e Starr com o mundo distorcido das drogas. Starr abandonou a banda precisamente por não conseguir lidar com elas; Layne teve um destino fatal em 2002 em consequência de uma overdose. A letra de Junkhead não podia ser mais explicita: «What's my drug of choice? Well, what have you got?». Ou então a de God Smack: «Stick your arm for some real fun». Quanto ao niilismo, esse é mais que evidente em Down In A Hole, com o famoso refrão: «Down in a hole, loosing my soul, down in a hole, losing control, I´d like to fly, but my wings have been so denied». Ou em Them Bones: «I feel so alone, gonna end up a big ole pile a them bones». Curioso é que os AIC não esquecem a questão do Vietnam, num período de ressaca da Guerra do Golfo, através de Rooster, que relata a participação do pai de Cantrell no conflito: «Wife and kids and a household pet, arny green was no safe bet, the bullets scream to me from somewhere».
Nunca um álbum foi tão clarividente neste universo de depressão e angústia, mas a energia que transborda das melodias e harmonias suplanta esse negativismo, germinando uma simbiose transcendente de vibração e emoção. Canções como Would ou Them Bones são nutrientes vitais da história do rock e a sua força contagiante é inegável. Simultaneamente funcionou como premonição, antevisão do futuro, qual Nostradamus, à semelhança de Unknown Pleasures e da consequente morte de Ian Curtis. Dirt previu a morte de Kurt Cobain, do próprio Layne e o fim dos Alice In Chains, bem como o calar do grito de uma geração perdida nos meandros da toxicodependência.

Ao longo do tempo, Dirt ganhou o seu espaço entre os álbuns mais importantes de sempre, tornando-se peça fundamental da mecânica rock-grunge, quer pelos fãs de raiz, pela legião de ouvintes conquistados ao longo dos anos, quer pela influência directa em muitas bandas da actualidade. O frenesim actual gerado pela actuação da banda em Lisboa é sinal disso, mesmo sem Layne no papel de vocalista.
Dirt foi mais que uma simples gravação, foi uma experiência única, foi uma juventude inteira e é uma herança fundamental a passar para gerações futuras. Dirt é o criador de um mito chamado Alice In Chains, que permanecerá para sempre nas nossas memórias e corações.